Partido-alto: samba de bambas, de Nei Lopes
Por Bruno Ribeiro, para o Caderno C
Em Campinas, dezembro de 2005
O sambista e escritor Nei Lopes, um dos maiores pensadores vivos do samba, acaba de lançar mais um livro que promete se tornar referência. Desta vez o objeto de análise é o partido-alto, linha de samba considerada por ele como a mais complexa e criativa dentro do gênero. Partido-Alto: Samba de Bambas (Ed. Pallas, 264 pág., R$ 38) esmiuça as origens rurais do "partido", de Salvador ao Interior de São Paulo, passando por sua marcante presença na zona portuária do Rio de Janeiro do início do século 20 e por sua vocação à permanência através da carreira bem sucedida de Zeca Pagodinho e Dudu Nobre. "Compor e cantar partido-alto não é para qualquer um; mesmo grandes compositores tentaram fazê-lo, mas não conseguiram" , disse Lopes.
A própria denominação da modalidade indica que existe nela uma certa superioridade entre seus praticantes. A dificuldade está, sobretudo, em improvisar as frases do samba sem fugir da proposta do tema. As longas estrofes podem apresentar seis ou mais versos antes de voltar ao estribilho. E tudo isso dentro do tempo da música, que é geralmente acelerado. Os não-iniciados na arte do partido-alto não terão dificuldades em acompanhar a explicação do autor, que é quase didática. "É um gênero de cantoria que, às vezes, assume a forma de desafio" , define Nei Lopes. As regras, porém, são muito menos rígidas do que as do repente nordestino, gênero ao qual o "partido" é freqüentemente comparado.
Gerado, ao que tudo indica, nas festas religiosas do jongo, batido em tambores chamados de candongueiro, angumavita ou caxambu, o partido-alto também foi chamado de chula-raiada e, com o passar dos anos, foi se modificando substancialmente e aderindo novos instrumentos, até chegar ao mercado fonográfico na forma de "partido estilizado" : sambas inspirados na tradição do partido, mas que, para ter viabilidade comercial, passaram a ser gravados sem o improviso. Fizeram grande sucesso com Martinho da Vila, a partir dos anos 60.
Nei Lopes, ele próprio um dos grandes partideiros do samba, autor de Mel e Mamão com Açúcar, acredita na capacidade de permanência do partido-alto, ainda que ele seja a mais anticomercial de todas as linhas de samba. "Os partideiros anônimos dos pagodes cariocas são capazes de segurar o samba por horas a fio, independente do mercado" , afirma.
Se a grande magia desta modalidade está justamente em ser feita e cantada na hora, sua manutenção depende, muito mais do que do disco e do palco, da prática da roda de samba. Dentre os maiores representantes do partido-alto estão Aniceto do Império, Xangô da Mangueira, Candeia, Geraldo Babão, Padeirinho, Almir Guineto, Bezerra da Silva e Marquinhos Satã. Leia a seguir trechos da entrevista que Nei Lopes concedeu ao Caderno C, de seu sítio, em Seropédica.
Bruno Ribeiro. O que faz do partido-alto o "samba dos grandes sambistas" , como você costuma dizer?
Nei Lopes. É a exigência de maior criatividade, picardia e bom humor, tanto no fazer quanto no interpretar. Temos exemplos, inclusive recentes, de grandes compositores que tentaram fazer, pensaram que estavam fazendo, e não conseguiram - porque não dominam o código intrínseco desse tipo de samba, mesmo o estilizado.
Bruno. Quem, atualmente, se destaca na arte do partido-alto?
Nei Lopes. Tem uma garotada aí que ainda não chegou à mídia. Tem o Renatinho Partideiro, o Tantinho da Mangueira e o Cláudio Camunguelo, mestres no improviso. E tem também os que se destacam tanto no improviso quanto no partido-alto estilizado. É o caso do Zeca, do Dudu Nobre, do Arlindo Cruz... Mas, de partideiro anônimo, desses que seguram uma roda de improviso durante horas, os pagodes cariocas estão cheios.
Bruno. É comum ouvir por aí que o partido-alto é, de todas as linhas do samba, a mais antiga e, portanto, a que mais se aproxima das origens do gênero. É verdade?
Nei Lopes. Os primeiros sambas urbanos, feitos no Rio, embora não fossem conhecidos por esse nome, tinham a estrutura do que se conhece hoje como partido-alto. Pra exemplificar, vou lembrar um, da década de 20-30, do Noel Rosa: "De babado, sim, meu amor ideal/ Sem babado, não" . Os mais antigos vão lembrar...
Bruno. Quais são as regras para compor e cantar partido-alto?
Nei Lopes. No partido-alto, mesmo, a única regra que eu conheço é improvisar de acordo com o tema proposto no refrão. O mais é no que pintar, porque o partido é brincadeira; não é igual ao repente nordestino, que é aquela coisa rígida, fechada, cheia de regras. A cantoria do samba não é desafio: é brincadeira, sacanagem.
Bruno. Já que você falou sobre o repente nordestino. Existe algum elo perdido entre repente e partido-alto?
Nei Lopes. O partido-alto sofreu muitas influências, inclusive de vários gêneros nordestinos de cantoria. Mas nele importa mais o balanço, a ginga de samba, a batucada, que se consegue quando, por exemplo, se criam rimas emparelhadas, rimas internas dentro dos versos. O verdadeiro partido-alto busca mais o efeito rítmico, eu acho.
Bruno. Por que o partido-alto perdeu espaço para o rap, na periferia? Em que momento começa a ocorrer essa substituição cultural no morro?
Nei Lopes. A partir dos anos 80 a indústria fonográfica internacional começou a investir pesado nesse produto. E aí, deu no que deu. A péssima qualidade do ensino básico que se instalou por aqui já antes dessa época, também concorreu bastante para isso. Até a metade dos anos 60, um curso primário numa escola pública do Rio equivalia a um segundo grau completo. Hoje...
Bruno. Quem foi o maior partideiro de todos os tempos?
Nei Lopes. Aniceto do Império improvisava com muita facilidade. Geraldo Babão tinha o balanço do coco e da embolada. Padeirinho da Mangueira era o mais criativo dos três, versando quase sempre em sextilhas.